A Legislação que Impede os Estudantes de Obterem Rendimentos Extra

December 10, 2022

Resumo

O João quer receber 50€ por semana ao trabalhar num restaurante.

  • Deixar de poder usufruir da isenção de pagar segurança social no primeiro ano do seu primeiro emprego a tempo inteiro.
  • Deixa de se poder candidatar a várias empresas que utilizam o estágio do IEFP para promover a contratação jovem.
  • Perde o seguro de saúde da família, neste caso a ADSE.

Se estivessem no lugar do João declarariam os rendimentos? Ou nem sequer iam trabalhar?

O Desemprego Jovem

Em situações de instabilidade económica, tal como aconteceu na pandemia do covid-19, o emprego jovem é consideravelmente mais volátil em comparação com a população em geral. Embora consigamos observar uma redução do desemprego a partir de 2021, esta infelizmente não se verifica em Portugal, fixando-se nos 15,9% — ou seja 2,9% acima da média comunitária, que está nos 13%.

Isto classifica Portugal como o sétimo país com a taxa de desemprego jovem mais alta, atrás de países como a Itália, Espanha, Sérvia, Suécia, Croácia e Grécia.

Como consequência  do desemprego, certos jovens voltam a depender económica e financeiramente dos pais, indo inclusive viver com a família, sendo a expressão “limbo” aquela que mais se adequa para ilustrar a incerteza face ao futuro. Muitos estudantes consideram que têm a vida suspensa e sem perspetiva, situação que contribui para aumentar a ansiedade, depressão e stress. Sintomas intrinsecamente relacionados com a insegurança face à transição para o mercado de trabalho.

O Problema de Portugal?

Embora o problema do desemprego jovem esteja presente a nível Europeu, alguns países conseguem diferenciar-se pela positiva como no caso da Holanda, Dinamarca e Alemanha. Analisando com pormenor o que acontece nestes países, verificamos que muitos dos empregos aceites por jovens no estrangeiro são de foro temporário (part-time).

Esta rentabilização dos tempos livres, permite que os jovens consigam não só suportar os custos relacionados com os estudos, mas também contribuem para uma vida académica mais confortável.

Nestes países, todos os processos burocráticos relacionados com a declaração de rendimentos são simplificados, e a quantidade de impostos é baixa.. Os métodos de pagamento dos mesmos muitas vezes são automatizados ou são extremamente simplificados.

Já em Portugal, além de não haver grandes soluções centradas em melhorar a qualidade de vida do estudante, existem fortes desincentivos por parte de estruturas subjacentes ao governo para que os estudantes  procurem trabalhos temporários / pontuais e, caso realmente necessitem de rendimentos extra, muitas vezes não os declaram, contribuindo para o tumor que é a economia paralela aumentando, como consequência, a precariedade das relações laborais.

A Explicação

Como exemplo, contamos a história do João. Um estudante que queria ganhar 50€ por fim-de-semana num restaurante na sua terra local, Santa Maria da Feira.

O João, se quiser declarar os seus rendimentos, tem duas alternativas:

1- Ato isolado

“São considerados rendimentos provenientes da prática de atos isolados os que não resultam de uma prática previsível ou reiterada.”
-Definição Portal das Finanças

Embora esta seja a definição oficial, ninguém sabe bem como a interpreter devido à sua natureza ambígua, sendo que algumas empresas e organizações (como o SNS-24 em 2021) decidem contornar este problema, ao pedirem aos estudantes para declararem todos os rendimentos provenientes do trabalho apenas uma vez no final do ano.

Para o João, isto significaria que tinha de declarar os 2,400€ (assumindo que trabalhava todos os fins-de-semana) no final do ano. No entanto, o João uma vez que não quer contornar a lei, referente aos atos isolados - pois este trabalho tem um prática reiterada- e precisa do dinheiro todos os meses, não pode escolher este método.

2- Recibos verdes e declaração de início de actividade nas Finanças

Este método teoricamente daria mais liberdade ao João, até mesmo para escolher outros horários durante o ano e a nível de impostos (IVA e IRS) não tinha de se preocupar uma vez que apenas é taxado a partir dos 12,500€ anuais. Contudo, para optar por este enquadramento é necessário abrir atividade no portal das finanças. Como consequência,surgem 3 grandes problemas que não estão acautelados na legislação atual:

Segurança Social

Aquando do registo como trabalhador independente o João está automaticamente inscrito na Segurança Social.
Qualquer trabalhador que se registe está isento de pagar segurança social no primeiro ano em que abre atividade. O que acontece é que os rendimentos do o João neste ano de trabalho são muito inferiores ao que receberia no seu primeiro ano de trabalho a tempo inteiro. Como tal, ao se registar, deixa de usufruir desta isenção futuramente.

IEFP

Os estágios do IEFP são medidas muitas vezes utilizadas pelas empresas para contratar jovens que estão a entrar no mercado de trabalho., sendo também um mecanismo muito utilizado para a integração de jovens no mercado de trabalho sem experiência profissional.

Atualmente a principal medida do IEFP é a : "Medida Compromisso Emprego Sustentável" (para o ano de 2022)

“Medida que consiste na concessão, à entidade empregadora, de um apoio financeiro à contratação sem termo de desempregados inscritos no IEFP, conjugado com um apoio financeiro ao pagamento de contribuições para a segurança social, no primeiro ano de vigência dos contratos de trabalho apoiados.”

A quem se destina?
Entre vários pontos a: “Pessoa que não tenha registos na Segurança Social como trabalhador por conta de outrem nem como trabalhador independente nos últimos 12 meses consecutivos que precedem a data do registo da oferta de emprego;”
Como tal, o João ao entrar no mercado de trabalho vê-se fortemente prejudicado em relação a outros que não tenham registo na Segurança Social que concorram para a mesma posição na empresa.

ADSE

Em Portugal, cerca de 14,2% da população (empregados e desempregados) trabalha em funções públicas.

Muitas destas famílias englobam também os filhos na ADSE através da medida:

“Descendentes (filhos e enteados do beneficiário titular) e equiparados a descendentes (netos, tutelados, adotados e menores confiados por via judicial ou administrativa ao beneficiário titular, ao seu cônjuge ou à pessoa que com ele viva em união de facto) menores de idade /até aos 26 anos de idade desde que frequentem cursos de nível médio ou superior se sofrerem à data da maioridade, de incapacidade total e permanente ou de doença prolongada que obstem à angariação de meios de subsistência

No entanto, “Os beneficiários familiares não podem estar abrangidos, em resultado do exercício de atividade remunerada ou tributável, por regime de segurança social de inscrição obrigatória, enquanto se mantiver essa situação, não podendo igualmente estar inscrito noutro subsistema de saúde público.”

Em suma o João, que está englobado no regime de ADSE, uma vez que a mãe é professora numa escola pública, deixa de estar englobado neste apoio.

Resumo:

O João quer receber 50€ por semana ao trabalhar num restaurante.

  • Deixar de estar isento de pagar segurança social no primeiro ano do seu primeiro emprego.
  • Deixa de se poder candidatar a várias empresas que utilizam o estágio do IEFP para promover a contratação jovem.
  • Perde o seguro de saúde da família, neste caso a ADSE.

Se estivessem no lugar do João declarariam os rendimentos? Ou nem sequer iam trabalhar?

P.S. Uma vez que o João é o melhor aluno do seu curso foi-lhe atribuída uma bolsa. Esta também é retirada aquando do registo como trabalhador-independente uma vez que a soma do agregado familiar já passa o limite.

O cómico caso do SNS-24

O SNS-24 viu-se obrigado a contratar estudantes na área da saúde para os seus serviços de call-center devido à pandemia e ao seu forte impacto que este teve no sistema de saúde Português.

No entanto, até mesmo esta instituição governamental, de forma a conseguir incentivar os estudantes para trabalhar, via-se obrigada a “infringir” a lei ao dar a opção de os estudantes declararem todos os seus rendimentos no final do ano através de atos isolados. Embora esteja explícito no Portal das Finanças que não podem ser trabalhados de forma “reiterda” .

Comunicado do SNS aos estudantes inscritos para prestar serviços de call-center:
"para os casos em que a pessoa decida optar pelo ato isolado emitindo assim apenas no final do ano, todos os valores serão acumulados mensalmente sendo apenas efetuados pagamentos no final."

Esta medida foi abandonada em Fevereiro de 2022, altura em que o mediatismo à volta do covid diminuiu e já não tinham a necessidade de preencher as vagas, através do comunicado:

"Uma vez que o ato isolado ou único se aplica a serviços pontuais ou esporádicos neste momento não é possível continuar com esta modalidade, da forma como temos mantido, dado que os serviços são prestados de forma previsível e reiterada. "

Toda esta situação cómica mostra a incongruência das políticas governamentais Portuguesas onde até organismos do estado têm de operar “ilegalmente” para incentivar os jovens a rentabilizar os seus tempos livres.

A Mudança de Mentalidade

Temos uma população jovem, como o João, com disponibilidade e vontade não só para prestar serviços não qualificados como também para serviços e trabalhos mais especializados para empresas ou particulares.

O país tem de se deixar de meias-medidas mediáticas e pouco eficazes como o caso do IRS Jovem e deve-se focar na verdadeira causa do problema. Caso isto seja feito, não será apenas positivo para os estudantes mas será também benéfico para o país como um todo - ao combatermos a forte economia paralela em Portugal que gera desconfiança e uma ideia de impunidade, enfraquece os laços de solidariedade e de respeito mútuo entre cidadãos e estabelece um clima de passividade face à coisa pública e às decisões políticas.

A Solução

Todos os direitos acima descritos, que são retirados aos estudantes caso se registem como trabalhadores independentes, devem de o ser apenas a partir de um valor específico, tal como acontece com a taxa de IVA e IRS para trabalhadores independentes em Portugal (são taxados apenas acima dos 12,500€).

Propomos que o valor seja idêntico para a ADSE, estágio IEFP, bolsas de estudos e isenção de segurança social de forma a evitar confusões com as diferentes legislações.

A Petição

Mudanças deste paradigma são complexas e o processo é tão burocrático que se nada for ativamente perseguido nada irá mudar. São muitas vezes instituições como Federações Académicas e Associações de Estudantes que atuam em benefício dos estudantes e fazem verdadeiramente a diferença - vemos o caso da FAP com o alojamento estudantil no Porto. A Unilinkr pretende seguir os passos dessas instituições altruístas e pretendemos lançar uma carta aberta ao governo (e propor a solução na Assembleia da República) após conseguirmos 10 mil estudantes inscritos na petição, de forma a alterar os constrangimentos existentes aos trabalhadores-estudantes que pretendem abrir atividade e rentabilizar os seus tempos livres.

#jovens_independentes
Assina a nossa petição
Inscreve-te na Unilinkr

Movimento #jovens_independentes

A legislação atual criava fortes desincentivos que impedem muitos jovens de arranjarem trabalhos pontuais / part-times... Decidimos mudar a situação.